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Dicionário Conceitual do Antropoceno: Vocabulário para a Experiência Ambiental Contemporânea Aprimorado (Parte 3)

Gaia Cibernética

O globo terrestre envolto por uma rede de linhas de luz (representando dados e informações), com pequenos satélites e pontos de sensores espalhados pela superfície, sugerindo um sistema nervoso digital ou uma inteligência artificial conectada à Terra.

Definição: Conceito que atualiza a hipótese de Gaia (a Terra como um sistema autorregulador) incorporando tecnologias digitais e inteligência artificial como elementos dos sistemas de autorregulação planetária. Propõe que redes tecnológicas podem amplificar a capacidade de monitoramento, processamento de dados e resposta adaptativa dos sistemas terrestres, funcionando como uma espécie de "sistema nervoso" ou "córtex" do planeta.

Gênero: Feminino (F)

Perspectivas:

  • Cibernética/Teoria de Sistemas: Aplica princípios de controle e comunicação a sistemas complexos, como o planeta.

  • Filosofia da Tecnologia: Explora as implicações éticas e ontológicas da integração de tecnologias avançadas com sistemas naturais.

  • Ecologia Global: Analisa o papel da informação e do monitoramento em larga escala para a gestão e resiliência da biosfera.

Exemplo: Redes de sensores globais que monitoram temperatura oceânica e atmosférica, níveis de poluição, saúde de ecossistemas e movimentos de espécies em tempo real, funcionam como sistema nervoso de uma Gaia cibernética, potencializando respostas adaptativas às mudanças ambientais e permitindo a tomada de decisões baseadas em dados.


Genoceno

 Uma espiral descendente de extinção, com silhuetas de animais e plantas desaparecendo, ou um cemitério simbólico de espécies, onde lápides representam diferentes criaturas que foram extintas, com a sombra da atividade humana (fábricas, desmatamento) ao fundo.

Definição: Período geológico caracterizado pela extinção em massa de espécies causada pela atividade humana. Termo que enfatiza a dimensão mortífera do Antropoceno, destacando os processos de aniquilação da biodiversidade como marca definitiva da época atual, com consequências irreversíveis para a teia da vida e a estabilidade dos ecossistemas.


Gênero: Masculino (M)



Perspectivas:

  • Biologia da Conservação: Quantifica e estuda os padrões de extinção, suas causas e consequências para os ecossistemas.

  • Ética Ambiental: Questiona a moralidade da destruição da vida e a responsabilidade humana pela aniquilação de outras espécies.

  • História Ambiental: Documenta a trajetória da perda de biodiversidade e sua relação com o desenvolvimento das sociedades humanas.

Exemplo: A perda de 68% das populações de vertebrados desde 1970 marca o genoceno como uma era de empobrecimento biológico sem precedentes na história da Terra, com a taxa de extinção atual sendo centenas de vezes maior que a taxa natural de fundo.


Gradiente de Responsabilidade

Uma escada ascendente, com "países desenvolvidos" e indústrias no topo, emitindo fumaça e consumindo recursos, e "países em desenvolvimento" ou comunidades vulneráveis na base, sofrendo os impactos (inundações, secas), com rótulos indicando "maior responsabilidade" e "maior impacto".

Definição: Reconhecimento de que a responsabilidade pelas crises ambientais não é uniformemente distribuída, variando conforme fatores como poder econômico, posição geopolítica, acesso a recursos, emissões históricas e capacidade de influência sobre decisões que afetam o meio ambiente. Este gradiente evidencia as assimetrias globais e locais na contribuição para a crise e na capacidade de enfrentá-la, fundamental para uma justiça ambiental.

Gênero: Masculino (M)

Perspectivas:

  • Ecologia Política: Analisa as relações de poder que determinam quem causa mais dano e quem sofre mais com ele.

  • Relações Internacionais: Estuda as responsabilidades diferenciadas entre países desenvolvidos e em desenvolvimento no contexto das negociações climáticas.

  • Ética Ambiental: Desenvolve princípios de justiça que consideram a capacidade e a culpa histórica na distribuição de ônus e bônus ambientais.

Exemplo: Países desenvolvidos ocupam posição mais alta no gradiente de responsabilidade devido às suas emissões históricas de carbono e seu consumo desproporcional de recursos, enquanto nações insulares do Pacífico, apesar de contribuírem minimamente para as mudanças climáticas, sofrem seus impactos mais severos (elevação do nível do mar), evidenciando a injustiça.


Habitar Multiespécie

Um  bairro que integra elementos naturais de forma fluida: edifícios com jardins verticais, pontes que servem como passagens para animais, abelhas polinizando flores em praças, e pessoas compartilhando espaços com animais selvagens em um ambiente harmonioso.

Definição: Prática de criar e manter espaços de vida compartilhados entre humanos e outras espécies, reconhecendo que habitamos um planeta em comum e que nossos destinos estão interconectados. Vai além da coexistência passiva para buscar formas ativas de colaboração interespecífica, co-design de ambientes e reconhecimento da agência e necessidades dos não-humanos na construção de nossos habitats.


Gênero: Masculino (M)

Perspectivas:

  • Urbanismo/Arquitetura: Propõe o design de cidades e edificações que integrem a vida selvagem e os ecossistemas, como telhados verdes, corredores ecológicos e jardins polinizadores.

  • Antropologia/Sociologia: Estuda as interações cotidianas entre humanos e não-humanos em espaços urbanos e rurais, e como essas relações moldam as culturas.

  • Ética Ambiental: Desenvolve uma moralidade que orienta a coexistência e o cuidado mútuo entre todas as espécies em um mesmo lugar.

Exemplo: Projetos arquitetônicos que incluem ninhos para pássaros, jardins para polinizadores e corredores verdes para fauna urbana praticam habitar multiespécie ao desenhar cidades inclusivas para diferentes formas de vida, reconhecendo seu papel vital no ecossistema urbano.


Hipermnesia Ambiental

Uma colagem de fotografias vívidas de paisagens naturais exuberantes (florestas, oceanos, geleiras), sobrepondo-se e quase desaparecendo sobre fotos de sua degradação atual, com um olho grande e nítido no centro, simbolizando a memória aguda e a capacidade de recordar.

Definição: Capacidade exacerbada de recordar e reviver detalhes de experiências relacionadas à natureza, frequentemente associada à consciência de sua fragilidade ou iminente desaparecimento. Contrasta com a amnésia ambiental (ou "shifting baseline syndrome"), que naturaliza a degradação e esquece como era o ambiente no passado, mantendo viva a memória de paisagens e ecossistemas em sua plenitude.


Gênero: Feminino (F)

Perspectivas:

  • Psicologia Cognitiva/Memória: Estuda como a memória é seletiva e como eventos traumáticos ou significativos podem amplificar a recordação.

  • Estudos Culturais/Arqueologia da Memória: Analisa o papel da memória individual e coletiva na formação da identidade e na resposta à crise ambiental.

  • Filosofia da Percepção: Explora como a consciência da perda iminente aguça a percepção e a valorização do que está presente.

Exemplo: Fotógrafos documentaristas desenvolvem hipermnesia ambiental ao registrar geleiras em derretimento, mantendo memória visceral de paisagens que podem não existir para as próximas gerações, o que os impulsiona a documentar cada detalhe antes que se perca.


Hiperobjeto

 Uma representação abstrata do planeta Terra, com elementos como o oceano, a atmosfera e a terra se fundindo em uma massa disforme e quase incompreensível, com pequenas figuras humanas tentando observar ou tocar fragmentos da massa, simbolizando a dificuldade de apreender a totalidade do hiperobjeto

Definição: Termo cunhado pelo filósofo Timothy Morton para descrever entidades tão massivas em sua distribuição temporal e espacial que transcendem a percepção ou localização direta por parte de humanos individuais. Hiperobjetos são "aquilo que está lá fora" (o clima, o aquecimento global, a biosfera como um todo, lixo nuclear que durará milênios) e que nos afeta de maneiras profundas, mas que não podemos apreender em sua totalidade de uma só vez ou em um único lugar. Eles forçam a dissolução das distinções tradicionais entre humano e não-humano, cultura e natureza, e desafiam nossa capacidade de representação e ação.

Gênero: Masculino (M)

Perspectivas:

  • Filosofia Ontológica/Fenomenologia: Questiona a percepção humana, a ontologia dos objetos e a capacidade da linguagem e do pensamento humano de lidar com escalas e complexidades extremas, forçando uma revisão de como compreendemos a realidade.

  • Estudos Ambientais/Pós-humanismo: Oferece uma estrutura para pensar a materialidade das crises ambientais e a agência não-humana em um nível planetário, reconhecendo que somos parte de sistemas muito maiores.

  • Arte/Literatura: Inspira novas formas de representar o invisível, o difuso e o inescapável do impacto humano na Terra, explorando a estética do sublime e do terrível.

Exemplo: O "clima" é o hiperobjeto por excelência. Não podemos "vê-lo" ou "tocá-lo" em sua totalidade, pois ele se manifesta em sistemas complexos de gases, correntes oceânicas, padrões climáticos e eventos extremos dispersos por todo o planeta e por um vasto período de tempo. Contudo, suas manifestações (enchentes, secas, derretimento de geleiras) nos afetam diretamente, revelando sua presença inescapável.


Imaginário Climático

Colagem de elementos visuais diversos: um gráfico de temperatura ascendente, uma imagem de um urso polar em um iceberg derretido, uma cena de um filme apocalíptico, a capa de um livro de ficção científica, e pessoas protestando com cartazes sobre o clima, tudo interligado por uma aura de pensamento e representação.

Definição: Conjunto de imagens, narrativas, símbolos, metáforas e representações através dos quais sociedades compreendem e respondem às mudanças climáticas. Inclui tanto representações científicas (gráficos, modelos) quanto culturais (filmes, literatura, obras de arte, notícias), influenciando políticas públicas, comportamentos individuais e a percepção coletiva do que é a crise, quem são os culpados e quais são as possíveis soluções.

Gênero: Masculino (M)

Perspectivas:

  • Estudos Culturais/Mídia: Analisa como a mídia e a cultura popular constroem e disseminam imagens e narrativas sobre o clima.

  • Sociologia da Percepção Pública: Estuda como as representações climáticas afetam as crenças, atitudes e comportamentos das pessoas em relação à crise.

  • Psicologia Social: Investiga o papel do imaginário na formação de identidades coletivas e na mobilização para a ação climática.

Exemplo: Filmes de ficção científica sobre catástrofes climáticas moldam o imaginário climático ao criar associações entre aquecimento global e cenários apocalípticos, influenciando percepções públicas sobre o futuro e, por vezes, gerando medo e paralisia, ou, inversamente, impulsionando a busca por soluções.


Infraestrutura do Cuidado

 Um diagrama mostrando um ecossistema urbano com diferentes componentes interligados: jardins comunitários, um sistema de captação de água da chuva, painéis solares, um centro comunitário, pessoas ajudando umas às outras e cuidando de animais ou plantas, formando uma rede de apoio e sustentabilidade.

Definição: Conjunto de práticas, tecnologias, instituições, redes sociais e relações afetivas orientadas para a manutenção e regeneração da vida em suas múltiplas formas (humana, não-humana, ecossistêmica). Inclui tanto sistemas técnicos (saneamento, energia renovável) quanto redes afetivas de apoio mútuo entre humanos e não-humanos, reconhecendo o cuidado como um princípio organizador fundamental para a sustentabilidade.

Gênero: Feminino (F)

Perspectivas:

  • Sociologia do Cuidado/Feminismo: Amplia o conceito de cuidado para além do doméstico, reconhecendo-o como uma dimensão fundamental da vida social e política.

  • Urbanismo/Planejamento Territorial: Propõe o design de cidades e comunidades que priorizem a saúde, o bem-estar e a resiliência ecológica.

  • Ecologia Política: Analisa como as infraestruturas de cuidado podem ser construídas de forma justa e equitativa, combatendo as desigualdades na distribuição dos recursos vitais.

Exemplo: Jardins comunitários funcionam como infraestrutura do cuidado ao combinar produção de alimentos saudáveis, educação ambiental, fortalecimento de laços sociais, criação de habitats para espécies urbanas e espaços de convivência, promovendo a regeneração ambiental e social simultaneamente.


Justiça Geracional

Uma linha do tempo onde as gerações passadas, presentes e futuras estão representadas. As mãos das gerações presentes seguram um globo terrestre, e outras mãos menores (futuras gerações) se estendem para recebê-lo, indicando a responsabilidade de passar um planeta saudável para a frente.

Definição: Princípio ético que considera os direitos e interesses das gerações futuras em decisões presentes, especialmente aquelas com impactos ambientais e sociais de longo prazo. Questiona a "tirania do presente" sobre o futuro e propõe mecanismos de representação dos interesses geracionais, garantindo que as ações de hoje não comprometam a capacidade das futuras gerações de atenderem às suas próprias necessidades.

Gênero: Feminino (F)


Perspectivas:

  • Ética Filosófica: Desenvolve teorias sobre as obrigações morais das gerações presentes para com as futuras, incluindo debates sobre direitos de nascituros.

  • Direito Constitucional/Ambiental: Busca incorporar o princípio da justiça geracional em leis e constituições, garantindo a proteção do meio ambiente para o futuro.

  • Economia Ecológica: Analisa como as decisões econômicas de hoje afetam o estoque de capital natural disponível para as futuras gerações.

Exemplo: Constituições que incluem direitos das gerações futuras a um ambiente sadio aplicam justiça geracional ao limitar ações presentes que possam comprometer o bem-estar de descendentes ainda não nascidos, exigindo avaliações de impacto de longo prazo para grandes projetos.


Justiça Multiespecífica

Um tribunal de justiça estilizado, onde o juiz e os advogados são representados, mas no lugar dos réus ou acusadores, há símbolos ou representações de um rio, uma floresta ou um animal, indicando que seus direitos estão sendo julgados ou defendidos.

Definição: Princípio ético e jurídico que estende conceitos de justiça e direitos para além da espécie humana, reconhecendo que outras formas de vida (animais, plantas, rios, montanhas, ecossistemas) possuem interesses legítimos, valor intrínseco e direitos próprios que devem ser considerados e protegidos em processos decisórios que afetem seus habitats e bem-estar. É uma forma de desantropocentrar a justiça.

Gênero: Feminino (F)


Perspectivas:

  • Direito Comparado/Teoria do Direito: Analisa e propõe a incorporação de direitos da natureza em sistemas legais nacionais e internacionais.

  • Filosofia Ambiental/Ética Animal: Fundamenta a extensão da consideração moral a seres não-humanos e a ecossistemas.

  • Antropologia Política: Inspira-se em cosmologias indígenas que reconhecem entes naturais como sujeitos de direito e com agência própria.

Exemplo: A concessão de direitos legais ao rio Whanganui, na Nova Zelândia, representa uma aplicação de justiça multiespecífica ao reconhecer o rio como entidade jurídica com direitos próprios, permitindo que seus interesses sejam defendidos em tribunais.


Luto Ecológico

Uma pessoa em silhueta, de costas, olhando para um cenário de desolação ambiental (árvores mortas, um rio seco), com uma única lágrima escorrendo pelo rosto, e memórias felizes da mesma paisagem em seu estado natural (transparente) sobrepondo-se ao cenário de degradação.

Definição: Processo psicológico e emocional de elaboração da perda de ecossistemas, espécies, paisagens, tradições culturais ligadas à natureza ou até mesmo de um senso de futuro seguro devido à degradação ambiental. Inclui estágios de negação, raiva, barganha, depressão e aceitação, podendo evoluir para formas de ação e engajamento ambiental. Distingue-se do luto por perdas pessoais pela sua natureza coletiva, difusa e muitas vezes contínua.

Gênero: Masculino (M)

Perspectivas:

  • Psicologia/Psiquiatria: Oferece "frameworks" para compreender e tratar o sofrimento psíquico associado à perda ambiental.

  • Sociologia/Antropologia: Analisa as manifestações culturais e sociais do luto ecológico em diferentes comunidades, especialmente as que dependem diretamente do ambiente.

  • Estudos da Saúde Pública: Investiga os impactos da degradação ambiental na saúde mental e o papel do luto ecológico.

Exemplo: Comunidades costeiras vivenciam luto ecológico ao testemunhar o branqueamento progressivo de recifes de coral que sustentaram suas tradições culturais e econômicas por gerações, sentindo a perda de um patrimônio vivo e de um modo de vida.


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